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Contos-->O MATERIAL PELA MORAL NA ESPÍRITA LEI DA COMPENSAÇÃO -- 01/04/2000 - 23:52 (Oswaldo Francisco Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O MATERIAL PELA MORAL NA ESPÍRITA LEI DA COMPENSAÇÃO
Oswaldo Francisco Martins

Na casa de número 1072 da rua Guilherme Rocha morava uma simples e honesta família alencarina: meus pais e seus três filhos. Normalmente, tínhamos uma empregada doméstica, que ajudava nas tarefas diárias do lar à Dona Ariza, minha mãe. Daquela casa, ainda lembro do vinho que minha mãe bebia aos domingos durante o almoço: era um vinho tinto, de cuja qualidade não tenho o que falar, posto que dele não gostava e então nada entendia de vinho de mesa. Também, posso sentir o cheiro do bolo Luiz Felipe e de tantos outros de nomes diferentes. Todos eles se nos apresentavam com os mesmos cheiro e gosto! Igualmente, posso ver os caixotes de doce de goiaba comprados por meu pai, os quais eu e meu irmão devorávamos em segundos e que para resolver tal problema, nosso genitor passou a comprar doce de banana do mesmo fornecedor, sem contudo reduzir nosso feroz apetite, que por fim foi amansado com a triste escolha de compra de doce feito de laranja, o qual mais parecia um tijolão com gosto de casca de laranja e muito amargo, se comparado aos doces de goiaba e banana que nós adorávamos.

Sem que eu sequer suspeitasse, chegou a Revolução Brasileira de 1o de abril de 196414A e de repente tudo mudou no entorno de nós, filhos e pais. Com nitidez, guardo primeiramente a ação do tio Euvaldo carregando malotas de livros à noite, cuja ocasião meus doze anos não me permitiram entender a razão daquela mudança repentina. Ele chegava tarde da noite, estacionava o carro na área lateral direita da nossa casa, adentrando aquele espaço após abrir o portão para automóveis. Rapidamente, ele retirava algumas malotas da mala traseira de um certo carro antigo e com muita velocidade carregava–nas com livros retirados de estantes localizadas dentro dos quartos de dormir e do gabinete de meu pai, levando–as cheias e pesadas de volta ao automóvel, saindo em seguida para fazer aquela mudança escondida dos espiões a serviço do golpe de 64, fato que só entendi muitos anos depois. Lembro–me bem de algumas palavras do tio Euvaldo:
 Rápido, vamos logo!
 No quarto do fundo tem mais!...

Aquele papo truncado se passava entre meu tio e minha mãe, vexados por salvar do fogo militar obras marxistas de meu genitor. Tudo aquilo viria a acontecer por mais de uma semana, conforme o que ainda posso lembrar.

Cerca de uma quadra de minha casa, na rua Teresa Cristina, onde moravam meus avós, pessoas conhecidas não chegadas à nossa família perguntavam por meu pai, ainda em liberdade, mas já na mira dos milicos e espiões comprados pelo regime golpista instaurado impropriamente contra o nosso indefeso povo brasileiro:
 Como está o Oswaldo? Perguntavam–me bocas14B cínicas e insinuantes, cuja malvadeza minha tenra idade não me permitiu reconhecer naqueles falsos comportamentos, repletos de deploráveis escrúpulos.
 ‘tá bem! E eu continuava em meu passo de criança ingênua, o que bem relembro com muita clareza agora que estou beirando um cinqüentenário.

Meu pai continuava a freqüentar o abrigo da Praça do Ferreira todos os dias e naturalmente não escondia o rosto como poderia ser ou até fora uma coisa normal para covardes, dentre alguns já desaparecidos para esconder a miserável cara assustada e amedrontada pelos milicos e suas ameaças. Todavia, meu pai mantinha sua postura idealista, com seu pensamento aculturado das fiéis e democráticas idéias socialistas, que na época eram ditas ser coisa de comunista14C. Aliás, comunista era uma palavra cuja pronúncia verbal era pecado e muitas vezes ouvi tal comentário da boca de minha própria avó, Dona Filisolina:
 Meu filho, por que o Oswaldo não queima ‘aqueles’ livros de uma vez por todas?
 Sei não, vovó! E expressando sempre esta resposta sincera de forma tão natural quanto era a ignorância advinda de minha bondosa avó, lamentavelmente povoada de sua desmedida preocupação com o destino de minha família e, pelo que hoje acredito, de sua filha, particularmente e em maior intensidade, o que se incompatibilizava explicitamente com os ideais de meu pai, provavelmente.

Quantas e quantas vezes tive de ouvir aquela pergunta de minha avó, uma pessoa limitada culturalmente, cuja cabeça – como tantas outras também assustadas com aqueles momentos ruins! – não filtrava informações para extrair verdades por ser fraca e se mostrar muito conturbada e amedrontada com os rumores jornalísticos publicados no jornal O Povo14D – sua única e vespertina leitura de todo dia, em escritos de terroristas provenientes do miserável golpe contra o povo brasileiro, uma gente que se mostrou incapaz de se antepor a quase tudo por uma simples questão de ignorância e medo profundos, então não se sendo suficientemente politizada para sua maioria reagir contra aquela criminosa detenção militarista do Brasil. Trata–se, contudo, de uma pena que a História cravou e registrou para sempre nas feridas ainda abertas de tantas famílias que tiveram seus entes subtraídos pela covardia dos criminosos atos praticados em nome daquela revolução. Portanto, bancou–se e ainda choramos o luto imposto pelos milicos a tantas famílias honestas e nacionalistas deste país.

Não lembro se meu pai passou uns dias no sítio de meus avós, na Vila Manoel Sátiro, onde morava meu tio Walter, naturalmente quando não estava a consumir cachaça nas bodegas próximas ao enorme e nobre pedaço de terra da família de minha mãe. Entretanto, ainda detenho o nítido registro memorial de que não demorou muito e meu pai foi preso e levado com outros esquerdistas para o quartel general do 23o BC14E. Minha mãe o visitou várias vezes. Não lembro de visitas de nossos parentes, provavelmente acovardados com os atos golpistas daqueles momentos dementes, não querendo certamente ser vistos em conversa com um ‘comunista’. Parece–me que apenas o tio Euvaldo, além de minha mãe, atreveu–se a encarar aquela situação, mas é certo que eu e meus irmãos não estivemos por lá. De todos estes fatos, recordo–me tão somente e apenas através da obra Diário de um Preso Político14F de autoria de Aníbal Benevides, falecido jornalista muito amigo de meu pai e que ali esteve preso por ter idéias também radicalmente contrárias a ideologia forçosamente pregada pelo golpe dos milicos. Sua lembrança guardo associada às minhas contas de fiados que fiz em sua livraria ao comprar tantas obras russas já na década de 70, quando eu bem cursava Engenharia Química na UFC.

Da lembrança da Escola de Agronomia, onde meu pai era catedrático e de onde tirava seus bons proventos para o farto sustento da família, ainda recordo as inúmeras agruras vividas em minha casa, que chegou a nos obrigar a devolvê–la ao proprietário por não termos como saldar nossa inadimplência sobre muitos aluguéis atrasados, tudo tendo acontecido por falta de dinheiro para suprir às necessidades do lar, explicadas pela aposentadoria severamente reduzida que o golpe legou ao meu pai, após terem sido castrados os direitos políticos de professor numa agressão desmedida e imperdoável, cuja responsabilidade criminal pertence exclusivamente ao Exército e seus presidentes nacionais impostos contra o Brasil, que o impediu de ministrar aulas de Geometria Descritiva para o alunado de Engenharia Agronômica da Universidade Federal do Ceará.

Lembro–me e ainda guardo meu desprezo (agora na maneira consciente de um adulto que não perdeu o seu emocional e que, ao contrário, bem sabe administrá–lo!) ao seu assessor, o (fraco) professor Leopoldino, que constantemente aparecia na 1072 para conversar com meu pai e aprender algo. Ali, sempre se mostrava muito simpático e não foi atoa que o golpe militar bem o agraciou ao lhe transferir o direito de substituir o meu pai na função titular de professor de Geometria Descritiva, contudo não pode preencher o seu cérebro com o cabedal de conhecimentos de meu genitor, até hoje um intelectual de quinta essência, apesar da sempre simples, humilde e humanística postura aflorada em seus atos! Como que uma surpresa, a vida sempre se nos depara diante de reações a fatos reprovados pela Moral ou pela Ética ou, como dizem os espíritas, caímos na universal Lei da Compensação. Assim é que uma certa noite, lá estava o Leopoldino em seu carro (novo, certamente!) na esquina da Costa Barros com a Dom Manoel, no exato instante em que meu irmão acabava de sair de uma aula daquele colégio, de onde fomos alunos durante muitos anos, numa singular oportunidade desfrutada por apenas poucos secundaristas daquela capital:
 Quem é aquele bicha? Perguntou seu colega de classe.
 É o Leopoldino! Puxa, ele é mesmo baitola!
 Ele ‘tá procurando macho para dar o rabo, não é?
 É, ele é mesmo baitola!

Aquele defensor ou partidário do golpe era pederasta e então me pareceu que os momentos de dificuldades que passamos em decorrência do golpe, que indevidamente destituíram meu pai do cargo de professor catedrático, inverteram ou relaxaram a função anal de seu assessor, que apoderou–se dos proventos que por direito e por competência pertenceriam ao competente catedrático, ou seja, ao meu pai. O ônus material contra minha família estava então compensado pela irremediável queda moral da família do abastardo de reprovável conduta ora revelada, que empregava o próprio ânus para sentir prazer sexual com seus ativos parceiros homossexuais. Posso imaginar quão estranha ou até esdrúxula deveria ser o seu ato sexual sem descuidar do enorme charuto que nunca tirava de sua bocarra. A cor marrom daquele tabaco se destacava no pardo cadavérico de sua face brocada pelas seqüelas de cavalares espinhas oriundas de prováveis disfunções hormonais. Aliás, anormal era de fato o comportamento moral daquele suposto pai de família a trair os preceitos sociais e a desmerecer do Criador o sexo que o batismo e as lições de sua digna família haviam lhe cedido por toda sua existência, então negada. Que coisa, meu Deus! Não se pode omitir que nos tempos modernos em que vivemos, a pederastia foi vulgarizada, bem como o lesbianismo, os quais são encontrados com quasi perfeita naturalidade em praticamente todos os lugares do mundo, sendo São Francisco, nos Estados Unidos, o benchmark desta liberdade conquistada.

Ao findar este verídico conto, não sei se a AIDS já tragou definitivamente aquele anômalo boiola, cuja triste família deve ainda padecer de inapagável vergonha!

E-mail: omartins@cpunet.com.br
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